
11
EDITORIAL
Revista Médica Vozandes
Volumen 36 , Número 1, 2025
A responsabilidade pela gestão, organização e oferta dos
serviços de APS no Brasil é descentralizada entre os 5.570
municípios. O SUS, enquanto modelo público e gratuito de
saúde, promove uma atenção integral, que vai além das ações
preventivas, estruturada a partir de equipes multiprossionais
da Saúde da Família, com foco na promoção, prevenção,
tratamento, reabilitação e cuidado contínuo no território. Essa
conguração organizacional reete princípios contemporâneos
de cuidado em saúde, centrados na atuação integrada de
prossionais com competências diversas. O fortalecimento
da APS tem favorecido uma maior proximidade dos serviços
com as comunidades e os usuários, facilitando o acesso em
nível local e, principalmente, levando saúde e cuidado dentro
de cada lar. A implantação da Estratégia Saúde da Família
(ESF), reconhecida como uma das maiores iniciativas de
atenção primária de base comunitária do mundo, contribuiu
signicativamente para ampliar a cobertura da população,
além de melhorar indicadores como a redução da mortalidade
infantil, o acompanhamento da saúde materna e a queda
nas internações por causas evitáveis. Como resultado, o Brasil
apresentou um avanço notável na expectativa de vida ao
nascer nas últimas décadas, em ritmo superior ao de muitos
países membros da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE).7
Nos últimos anos, a informatização da Atenção Primária se
consolidou como um dos grandes avanços estruturantes do
SUS, tendo no Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC) uma de
suas principais ferramentas para qualicar os registros clínicos,
integrar informações e potencializar a análise de dados para
a gestão do cuidado. Desde sua implantação em 2013, o
PEC e-SUS tem ampliado seu alcance de forma signicativa,
passando de pouco mais de 8 mil UBS informatizadas em 2017
para mais de 26 mil em 2022.8
Esse crescimento expressivo, especialmente em regiões
historicamente pouco assistidas como o Norte e o Nordeste
do Brasil, demonstra o potencial da tecnologia como aliada
na qualicação do cuidado. O uso do PEC tem permitido a
integração de informações clínicas, a padronização dos
registros e o fortalecimento da análise de dados para tomada
de decisão em saúde. Além disso, funcionalidades como o
módulo de busca ativa, o atendimento pré-natal estruturado
e a agenda online têm qualicado o acompanhamento
de grupos prioritários e ampliado o acesso. É necessário
intensicar a capacitação contínua das equipes para o uso do
sistema, considerando as atualizações frequentes e as novas
funcionalidades que são incorporadas a cada versão, isso
signica investir na sustentabilidade de um SUS mais conectado,
resolutivo e centrado nas pessoas.9
Para além das métricas e indicadores, é preciso reconhecer
que a Estratégia Saúde da Família não atua apenas no campo
biomédico, mas também ocupa, de forma ímpar, um lugar
afetivo na vida das pessoas. O cuidado prestado pelas equipes
frequentemente se materializa por meio da escuta sensível e da
presença cotidiana, em um território marcado por ausências
históricas, por dores físicas e mentais e pela indiferença ao
cuidar. Ouvir com o estetoscópio é necessário, mas ouvir com
o coração é essencial. A ESF é o coração pulsante e a alma do
SUS. Em comunidades e lares atravessados por
dores e por falta de olhares que não cabem em
protocolos, a esperança se renova na forma de
visitas domiciliares, de uma escuta qualicada ou
de uma conversa debaixo de uma árvore com os
pés na areia. Estudos qualitativos com prossionais
da APS revelam que o cuidado psicossocial,
baseado no acolhimento, matriciamento, na
construção de vínculo e na compreensão do
sofrimento em seu contexto social, é um dos
pilares para transformar realidades.10,11 Fortalecer
essa dimensão humana da APS é rearmar o SUS
como espaço de cuidado integral.
Por m terminamos ressaltando que compreender
a Estratégia Saúde da Família é, antes de tudo,
reconhecer que ela ultrapassa os limites da
política pública, ela é um chamado. Trabalhar
na Atenção Primária do SUS é mais do que
exercer uma função técnica, é um verdadeiro
privilégio. É estar diante da vida em sua forma
mais genuína, é tocar mãos cansadas com
respeito, oferecer um abraço que acolhe
silenciosamente dores invisíveis e escutar com
o coração aquilo que nem sempre as palavras
conseguem dizer. É ser convidado a entrar no
espaço mais íntimo e sagrado das pessoas, seus
lares, e ali partilhar histórias, fragilidades, alegrias
e esperanças. Acompanhar o pré-natal de uma
gestante e depois seguir cada etapa da vida
daquela criança, desde o primeiro choro até
os marcos do desenvolvimento, as vacinas, os
sorrisos, as lágrimas, a puberdade e, nalmente, a
chegada à vida adulta, é testemunhar o milagre
da existência em movimento. Por tudo isso, a ESF
não é apenas uma estratégia de cuidado, ela
é uma escolha de vida. É essa vivência, plena
de sentido, que nos motiva e dá origem a este
editorial: uma carta de amor silenciosa a um SUS
que pulsa em cada território, em cada vínculo
construído, em cada cuidado ofertado com
dignidade e humanidade.
REFERENCES
1. Barbosa PHS, Sanches BS, Santo MLACE, Pabst H, Land MGP, Sou-
za HSP. Trends and geographical distribution of Family Health
Strategy in Brazil, 2009–2023. Healthcare (Basel). 2025;13(11):1246.
doi: 10.3390/healthcare13111246.
2. Giovanella L, Franco CM, Almeida PFD. National Primary Health
Care Policy: Where are we headed to? Cienc Saude Colet.
2020;25(4):1475–1482. doi: 10.1590/1413-81232020254.01842020.
3.Castro DM, Oliveira VB, Andrade ACS, Cherchiglia ML, Santos AF.
The impact of primary healthcare and the reduction of primary
health care-sensitive hospital admissions. Cad Saude Publica.
2020;36(11):e00209819. doi: 10.1590/0102-311X00209819.
4. Harzheim E, Santos CM, D’Avila OP, Wollmann L, Pinto LF. Bases for
Brazilian Primary Health Care Reform in 2019: structural changes
after 25 years of the Family Health Program. Rev Bras Med Fam
Comunidade. 2020;15(42):2354. doi: 10.5712/rbmfc15(42)2354.